15 longos dias em Beijing

7 Comentários 17.jan, 2014, 9:54

* Fotos por Demetrios Kolovos

Nossa passagem por Beijing foi completamente diferente do que tínhamos planejado. Seriam 5 dias, sendo 4 deles comprometidos com diversos passeios e 1 dia livre para só andarmos pela cidade. Acontece que ainda no Japão Demetrios teve fortes dores nas costas e conseguimos em Beijing acesso a um hospital internacional para fazer uma ressonância magnética, passar com um especialista e fazer o tratamento necessário.

Os 5 dias se transformaram em 15. Todos os passeios planejados foram engavetados – exceto  a Muralha da China e a Cidade Proibida – e nós tivemos que forçadamente fazer um sabático do sabático! Não foi fácil. Durante essas semanas nosso único compromisso era irmos à clínica dia sim dia não para as sessões de fisioterapia. No mais nos restou seguir as recomendações médicas: repousar.

O lado positivo disso tudo, e sempre tem, foi que conhecemos uma China que provavelmente a maioria dos turistas não conhecem. Gostamos sim de ter mais contato com a cultura e ter a oportunidade de agora compartilhar com vocês o que absorvemos nesse período. Lembrando que nossa rotina era limitada as idas de taxi para a clinica e saídas para almoçar, o restante do tempo ficamos no hotel – jantar fora, fora de cogitação, com o frio que fazia não dava a menor vontade. Ah, pra ajudar a deixar a situação toda mais desafiadora, tivemos que encarar temperaturas “amenas” na casa dos 10 graus… negativos :) com sensação térmica de até -17C. Bába.

Hutongs

Apesar do nosso hotel ser lindo e ter um excelente serviço, ele ficava em um Hutong no centro de Beijing. Hutongs são ruas bem estreitas (vielas) onde as casas seguem um padrão de arquitetura criado na época das dinastias. Por remeter a China antiga e tradicional, existem passeios organizados por agências para navegar pelos Hutongs. Nós não precisamos contratá-los, pois justamente fazia parte do nosso dia a dia cruzar o nosso Hutong. A questão é que existem Hutongs e Hutongs. Os localizados perto da Cidade Proibida, antigo palácio dos imperadores, são novos ou reformados. Os mais afastados não recebem investimentos do governo e representam a realidade de vida dos cidadões de Beijing.

IMG_6750

20131214_160805_20140108064244969

No Hutong que nós ficamos, deduzimos que as casas não possuíam saneamento básico, pois os moradores utilizavam banheiros públicos disponíveis a cada 200 metros nas vielas. Vimos algumas vezes cenas de senhoras de idade bem avançada saindo de uma rua, naquele frio de congelar, e entrando no banheiro. Sinceramente eu compararia os Hutongs menos cuidados, dessa região central, com as favelas no Brasil. Vimos dezenas de bicicletas e motonetas abandonadas pelo chão, parecendo estar alí a anos, inclusive da polícia. No lugar de bueiros, nas vielas tinham grandes ralos, que os moradores usam para jogar fora restos de comida. Imaginem a cena e o cheiro. Por falar em cheiro, acho que nunca vou me esquecer da mistura de aromas que provamos em nossas andanças. Outro detalhe impressionante é que eles colocam as roupas para secar em qualquer canto da rua que bata sol, muitas vezes em lugares muito sujos.

20131215_102401_20140108071111941

Hábitos exóticos

E lá íamos nós, pra baixo e pra cima, reparando em todos os detalhes, tentando absorver o máximo de informação e articulando a tolerância em nossos cérebros e corações. Tem alguns costumes chineses que já ouvi muita gente citá-los como se fossem as coisas mais assombrosas do mundo, mas precisamos lembrar que a China tem uma cultura muito  diferente da nossa. Por exemplo, catarrar no chão é algo institucionalizado por aqui. Pode e todo mundo faz! Tentaram impor algumas leis e forçaram diversas campanhas na época das Olimpíadas de Beijing em 2008, mas sejamos sinceros, não pegou. E é engraçado que em outros Blogs e até em revistas brasileiras eles escrevem que os chineses “cospem” no chão. Gente, me desculpem, mas não é cuspe não, é catarro mesmo! Eu acredito que devido à poluição eles tem muito pigarro, inclusive eu fui afetada por isso também, mas me contive, juro! Não que isso justifique o ato, estou apenas explicando as causas do hábito. E aí tivemos que nos acostumar a andar desviando das cusparadas e o pior, acostumar com aquele som que precede o ato. Não pensem que esse costume está ligado a sexo ou classe social, pois não está. Jovens, idosos, mulheres, homens, nas periferias ou nos bairros mais nobres, todos catarram.

Transporte

Um outro ponto que exploramos bem foi o transporte, principalmente metrô e taxi. Em relação ao metrô sabemos que para as Olimpíadas de 2008 fizeram um super investimento e de lá pra cá (inclusive pós Olimpíadas) o governo segue investindo em novas linhas. Não podemos criticar de maneira alguma a abrangência desse transporte, sua eficácia e o custo (1 trecho custa ¥2 = U$0,32 = R$0,70), mas para nós ocidentais tem alguns inconvenientes. Por exemplo, parecíamos alienígenas dentro do metrô e assim éramos tratados. Mesmo quem estava muito perto da gente não tinha o menor pudor em ficar nos encarando, descaradamente. Tem gente que não liga, eu me incomodava um pouco. Em todos os dias e horário que usamos o metrô, estava sempre muito lotado. Sentar, nem pensar. Apesar de terem tantas linhas e trens, eles também tem muitas pessoas! A China hoje tem 1.4 bilhões de pessoas.

20131219_142453

Mas não pense que usar taxi te livra de desconfortos. Primeiro que o trânsito de Beijing é igual ou pior que São Paulo, completamente caótico. Além do óbvio excesso de veículos, tem um outro traço cultural de doer a alma, eles não respeitam farol. É uma coisa impressionante, somente alguns carros param no farol, os outros simplesmente passam por cruzamentos, faixas de pedestre e tudo mais na maior cara de pau com o farol vermelho. Um grande caos! Mas que (não me perguntem como) funciona. Pensam que eles ficam irritados de quase baterem o carro porque uma pessoa passou no farol vermelho? Não, nem ligam. Não vimos nenhuma briga de trânsito e achamos que em São Paulo tem mais barulho de buzina do que em Beijing.

Além disso existe uma grande má vontade dos taxistas com os turistas. Sem a ajuda do nosso hotel não conseguimos pegar 1 taxi sequer, sempre dependíamos deles solicitarem o taxi e ir pessoalmente explicar para onde íamos. Nas vezes que tentamos sozinhos, mesmo tendo o endereço do local escrito em chinês + um mapa, eles negavam a corrida. Das dezenas de taxis que pegamos (para ir à clínica) somente 2 tinham GPS, o restante se perdia com facilidade. Caos.

Mas o troféu “Top Incômodo” vai para as vezes que em que os taxistas fumaram cigarro dentro do taxi… de vidros fechados! Não preciso nem falar mais nada né? Aqui ainda fuma-se muito dentro de ambientes, assim como no Japão também. Bom, pelo menos nesse quesito o Brasil está a frente.

20131226_120343

Uma luz em meio a escuridão

Com o Demetrios proibido de fotografar e fazer grandes esforços (levantar o braço para segurar-se no metrô, nem pensar), nos restaram poucas opções de passeios, mas acabamos escolhendo uma muito assertiva: uma aula de culinária!

O Black Sesame Kitchen está em primeiro lugar na categoria restaurantes do Trip Advisor em Beijing, fomos cheios de expectativas e elas foram atendidas. Nós já tínhamos feito aula de culinária em outros países, como por exemplo na Tailândia, e vamos ser sinceros, ninguém está lá para realmente aprender a cozinhar! O barato é interagir com gente do mundo inteiro, bater papo, dar risada, comer e beber. Aqui não foi diferente.

20131219_125837

20131219_113621

Nossa aula foi VIP tendo presente apenas eu, Demetrios e uma italiana que estava passando alguns meses na China fazendo pesquisas para concluir seu PHD em “Separações matrimoniais advindas de agressão física na China” – achei interessantíssimo. Estarmos só em 3 pode ter nos privado de mais farra e diversão, mas gerou a oportunidade de conversarmos muito com a professora, uma chinesa super simpática que falava inglês perfeitamente! Raro.

E acabou que aprendemos a fazer dumpling (no Brasil conhecido como Guioza), ganhamos avental e comemos muito muito MUITO. :) E submetemos a coitada da professora a praticamente um interrogatório de tantas dúvidas que tínhamos em relação ao país, cultura, pessoas, etc. Em restaurantes e hotéis as pessoas que te atendem até falam inglês, mas é um inglês treinado para aquele serviço, não dá pra desenvolver uma conversa. Então 3 horas com uma chinesa que falava inglês fluente e era super esclarecida, pra gente foi como ganhar na loteria, era tudo que queríamos (reparem como nossos valores mudam quando saímos do nosso país, rotina e zona de conforto).

As informações abaixo forem coletadas todas desse bate papo, algumas validadas em pesquisas na internet, mas vale reforçar que estou contando com as minhas palavras, de maneira resumida o que eu entendi. Erros podem acontecer e peço que sejam tolerados :)

A China pelos chineses

A civilização chinesa é uma das mais antigas do mundo, em 2000 AC eles já tinham implementado um governo de monarquia hereditária – básico. A China viveu séculos de guerras, invasões e tudo mais que esteja ligado a miséria, opressão e desrespeito ao ser humano. Até não muito tempo atrás eles contam que era normal alguém que tivesse poder, seja ligado ao governo ou por suas posses, andar pelas ruas, avistar uma mulher bonita e a levar para casa, sem importar se ela fosse casada nem nada, ele simplesmente tomava posse da coitada.

Após a queda das dinastias, Mao Tsé Tsung assumiu o poder (estou resumindo séculos de histórias em 11 palavras, me perdoem a concisão). Os próprios chineses admitem que Mao Tsé, apesar de ter sido bom para a China, também errou muito. Um dos piores erros foi uma série de medidas econômicas lançadas para acelerar o desenvolvimento industrial em tempo recorde, conhecida como “Grande Salto Adiante” que, aliado a consecutivas secas e inundações, levou a China a uma grande crise de produção agrícola que matou, segundo pesquisadores, entre 20 e 50 milhões de pessoas de fome.

Tantas pessoas, em tantos lugares da China viram essa crise de fome de perto que até hoje o que há de mais importante para os chineses é a comida. É comum ouvir: “Se temos comida, estamos felizes, pois não precisamos de mais nada.” e complementam “se tiver bebida então!”. Principalmente entre os mais velhos esse pensamento é muito presente e acredito que por isso ainda existe sim um clima no ar de “assim está bom, está melhor que antes”. A  referência que eles tem de comparação ao momento atual é muito negativa. Acontece que agora com a internet os jovens tem acesso a mais informações – mesmo que o governo tente controlar – e começa a surgir uma nova percepção do que significa “estar bom”. Minha opinião é que quando essa “geração da fome” não estiver mais entre nós, os jovens vão se rebelar e não vão mais admitir a censura em que vive o país.

Censura

A internet é completamente controlada pelo governo. Redes Sociais como Facebook e Youtube são proibidos para qualquer pessoa que esteja em território chinês, afinal eles não precisam disso porque tem seus próprios canais sociais como o Ren Ren, uma rede social criada pelo governo. Monitorada? Imagina!

Apesar de possuírem sistemas de censura, segundo analistas técnicos, dos mais efetivos e sofisticados do mundo, nós comprovamos que o controle é uma ilusão. É comum jovens com médio poder aquisitivo que falam inglês assinarem um serviço chamado VPN que lhes permite navegar como se estivessem em outra parte do mundo, com total liberdade a um custo mensal de U$16. Inclusive nós adquirimos esse pacote para conseguirmos durante a viagem seguir com nossas publicações no Blog e no Face!

Entendo que ainda é uma enorme minoria que tem acesso “ao mundo”, principalmente se compararmos com a população total da China, mas vamos e convenhamos… é um começo. E a medida que essas pessoas “descobrem” como funcionam os outros países e o que existe no jardim do vizinho, o pensamento começa a fluir e mudar. Ainda apoiados pela literatura ilegal, pois apesar do governo ter um órgão que controla todas as editoras do países, todos os livros, publicações e revistas, existe também um mercado negro. Estima-se que 40% da produção de livros seja legal e 60% seja pirata. Novamente, apesar de 60% parecer muito e mesmo que Mao Tsé tenha conseguido dobrar a população escolar, o analfabetismo ainda é um problema para a sociedade – e talvez uma solução para o governo ;)

Mas e aí? Valeu a pena?

Siiiimmmmm! Apesar do Demetrios já ter visitado a China e querer voltar, o que também me incentivou a incluir o país no roteiro foi um livro que li chamado Laowai - Histórias de uma repórter brasileira na China, da Sônia Bridi, repórter da Globo que morou durante 2 anos na China junto com seu marido e um filho de 3 anos (corajosa!). Aliás, recomendo a leitura! Eu fiquei tão impressionada com as diferenças culturais, mesmo as mais estranhas, que me senti instigada e desafiada a ver tudo de perto.

Eu realmente acredito que conhecer e entender diferentes culturas nos torna mais tolerantes com o mundo, com a nossa vida e com as pessoas em geral. Por mais que tenhamos passado por situações que na hora eram desconfortáveis, costumo dizer que as melhores histórias de viagens são essas. Que história você tem pra contar depois de passar 1 semana em uma praia em Cancun? Sem desmerecer o passeio, pelo contrário pois nós adoramos curtir praia, mas de fato boas histórias e recordações você obtém em lugares e situações diferentes do seu dia a dia. Fora que a Muralha da China faz tudo valer a pena!

Temos muito orgulho de carregar a China em nossa bagagem de vida!

 Pequenas histórias em fotos

Esta é a Sabrina (nome ocidental que ela escolheu, pois seu nome em chinês é impronunciável pra gente), a enfermeira e tradutora que nos acompanhou em todos os procedimentos médicos que o Demetrios teve que passar. Super querida, atenciosa e divertida!

20131228_120842

Esta foto demonstra com clareza o sucesso do socialismo no país. Né?

20131226_144804

Abaixo a vitrine de uma loja dos chás tradicionais chineses. Depois de colocá-lo na água, a flor que estava desidratada se abre. Achamos mais bonito que gostoso.

20131219_134503_20140108063749072

Dois funcionários do hotel em que ficamos. Engraçado que esse foi o hotel com melhor serviço, comparado a todos os hotéis que já ficamos não só nessa viagem.

20131228_145628

Nós dois congelando de frio em um rickshaw (bicicleta com carroça), pegando carona para chegar até uma rua principal para depois pegar um taxi.

20131223_091755

Como o Demetrios tem alergia a camarão, tanto no Japão quanto na China tivemos que pedir ajuda de um local para escrever sobre a alergia em um papel. Tínhamos que  mostrá-lo em todas as refeições para não correr riscos.

20131212_221114

Foto do nosso hotel em Beijing. Lindo, todo com decoração chinesa. Recomendamos! Beijing Double Happiness Courtyard. Eu diria que ficar neste hotel pode proporcionar uma experiência diferenciada na China, tanto pela decoração e ambiente quanto pelo serviço impecável.

20131213_093830

Abaixo foto de um restaurante que era tipo um Spoletto chinês. Você escolhia seus ingredientes e colocava em uma cesta (como a mulher à direita), depois escolhia o tipo de macarrão e o chef preparava. Legal né?

20131226_121735

Sobre o Autor

 Mari Stori

Mari Stori

Mariana Stori é formada em Comunicação Social, área em que atuou durante mais de 12 anos. Atualmente está em um período sabático, junto de seu marido, realizando uma viagem de volta ao redor do mundo.

Veja todos os posts deste Autor

7 Comentários

  1. Camilla 28. janeiro, 2014, 13:47

    Caramba!! Quantas diferenças, não? Eu adoro saber sobre comportamento e cultura. Estou amando os detalhes.

    Como um hotel tão fofo pode estar no meio de um lugar tão feio e “abandonado”? Que coisa!

    Responda este comentário
    • Mari Stori AUTOR 06. fevereiro, 2014, 7:54

      Ca, nós também ficamos pensando como construíram um lugar tão tchusco no meio de um inferninho… mas é que a China é toda assim né! Precisa conhecer pra entender! Bjs

      Responda este comentário
  2. Roseli 20. janeiro, 2014, 0:48

    Mari, o Dimi melhorou? Vc esqueceu de dizer…

    Responda este comentário
  3. marilena 19. janeiro, 2014, 21:46

    Adorei Mari, parabéns para o Dimi as fotos nos remetem é muito bom.Bjs

    Responda este comentário
  4. Nati 17. janeiro, 2014, 11:32

    Casal… No meio do post eu me perguntei: tá, será que valeu a pena?!??
    Daí no final tudo foi respondido! Incrível esta arte de saber apreciar os momentos, até quando eles não são 100% agradáveis. É isso que faz a gente crescer, aprender a enxergar as diferenças e dar valor para o que temos.
    Muito legal ler um pouco mais sobre a cultura da China!
    Beijos!

    Responda este comentário

Escreve um comentário

Seu email não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *


2 + = 10